Chuvas, pontes e lembranças: a geografia do caos

Mar 7, 2025 - 09:44
Mar 7, 2025 - 09:45
Chuvas, pontes e lembranças:  a geografia do caos

Nos últimos dias, o clima tem se mostrado mais imprevisível do que uma previsão do tempo em programa sensacionalista.

A chuva não escolhe hora nem lugar, inundando cidades e alterando paisagens como um desastre natural em câmera lenta.

Em Minas Gerais, especialmente, a situação está quase digna de um filme de apocalipse, mas com um elenco de cidades que conheço bem. 

E é sobre essas cidades - e sobre o que elas revelam de nossa relação com a natureza - que quero falar.

A chuva trouxe consigo não só destruição, mas também boas lembranças de tempos passados, de locais que agora estão em risco, e de pessoas e histórias que fazem parte da minha trajetória.

A situação é caótica. Municípios do interior de Minas, muitos dos quais fazem parte de minha história pessoal, estão sendo atingidos por chuvas intensas e alagamentos.

Cidades como Claro dos Poções, Espinosa, Francisco Sá e até Salinas - terra da famosa Cachaça Havana - enfrentam sérios danos, desde pontes submersas até igrejas centenárias que desabaram.

A relação com a chuva, que antigamente era apenas uma questão de estação do ano, se tornou um problema sério, e parece que o clima da nossa casa, no sentido mais amplo possível, está realmente maluco.

 Em Montes Claros, onde trabalhei na CEMIG como operador de subestação, a chuva não poupou nem as calçadas.

A cidade, que até poucos dias atrás parecia tranquila, viu o nível do rio Jequitinhonha subir e encobrir pontes, o que isolou comunidades e causou transtornos. Recordo que, ali, as chuvas nunca foram excessivas.

Pelo menos, não na magnitude de agora. Em minha memória, sempre havia uma estação bem definida. Era chuva no verão, e seca no inverno. Mas os tempos mudaram.

Em Glaucilândia, um homem desapareceu enquanto tentava atravessar uma ponte rural, uma tragédia que se entrelaça com o Rio Verde Grande - o mesmo rio que banha as terras do meu pai, em Verdelândia.

Cada noticiário que eu leio sobre esses eventos trazem à tona memórias de lugares onde vivi, como Botumirim, onde minha fazenda Noruega, agora engolida pelas enchentes, servia de cenário para muitas boas histórias.

Em outras cidades, como Itacambira e Cachoeira de Pajeú, as chuvas não só afetaram a infraestrutura, mas também a vida das pessoas.

Em Cachoeira de Pajeú, uma igreja construída em 1859 desabou, um marco histórico que se foi com a força das águas.

A memória dessas cidades, agora dilaceradas pelas enxurradas, ressurge em meu peito como uma espécie de lamento coletivo.

O que me chama a atenção em tudo isso não é só a força da natureza – mas o quanto estamos despreparados para lidar com seus desígnios.

Antigamente, as estações do ano pareciam tão previsíveis, e a chuva chegava e se ia como uma velha conhecida. Hoje, ela chega sem aviso, sem respeitar suas próprias regras, sem entender que, ao lado de suas águas, carreia com ela as nossas memórias e esperanças.

Em minha vivência, cada cidade que cito tem um pedaço da minha história. Eu me casei em alguns desses lugares, vivi experiências que se tornaram referências para minha vida.

Mas, agora, a história parece se repetir de uma forma assustadora: o que era um simples cenário de vivência, agora se transforma em uma lição sobre vulnerabilidade e a complexidade do nosso ambiente.

Fico pensando: se as chuvas do passado eram apenas parte da estação, as chuvas de agora têm algo a nos ensinar.

Talvez nos mostrem que a nossa relação com o mundo ao redor é mais frágil do que imaginávamos. O clima da nossa casa, seja ele o de Minas, a Amazônia ou qualquer outro pedaço de terra, está nos cobrando uma nova consciência.

Talvez o erro tenha sido sempre tratar a natureza como uma constante previsível. Talvez devêssemos aprender a viver com mais respeito e menos confiança na nossa própria capacidade de controlar o que está fora de nossa zona de conforto.

A chuva, que antes parecia ser apenas uma tempestade passageira, agora é símbolo de algo maior, que exige reflexão.

Como essas chuvas, também precisamos aprender a "transbordar", a nos adaptar e, acima de tudo, a lembrar que as memórias de ontem, mesmo que doloridas, são as bases para construirmos o amanhã.

E quem sabe, um dia, a água volte ao seu curso normal – mas, até lá, devemos aprender a nadar no caos.

* Oelton Medeiros residente em Marabá (PA). É pedagogo, escritor, poeta, técnico em edificações, eletrotécnico, acadêmico em Engenharia Civil e agente fiscal do CREA/PA

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