Greenwashing, aqueeze e coxinha vegana (ou: Como transformar sustentabilidade em folder de papel couché)

Abr 15, 2025 - 14:12
Abr 15, 2025 - 14:13
Greenwashing, aqueeze e coxinha vegana (ou: Como transformar sustentabilidade em folder de papel couché)

Outro dia, no meio da correria de prazos, ARTs e um laudo que teima em não fechar, recebo um folder reluzente entregue com pompa na portaria da Ekos Engenharia.

Papel couchê, capa mais brilhante que rosto suado em canteiro de obra no meio-dia de agosto. O título, em letras garrafais e degradê verde-azulado, já chegou abraçando a minha consciência ecológica com a força de um outdoor em rodovia federal:“Semana da Engenharia Sustentável: Inovação Verde para um Futuro Azul”.

Suspirei fundo. “Enfim, alguém vai colocar a mão na massa e abraçar o meio ambiente!”, pensei eu, como quem acredita que vai encontrar Wi-Fi gratuito funcionando em obra pública. Mal sabia eu que o "verde" dessa engenharia era mais Photoshop do que fotossíntese.

Na entrada do evento, um banner de três metros me dava as boas-vindas: “Engenharia Sustentável 2025”, ladeado por dois ventiladores industriais que rugiam como avião taxiando na pista.

Entrei e já recebi a sacola de brindes - o famoso “kit-hipocrisia” da sustentabilidade: uma squeeze de plástico (made in China, claro), um bloquinho de papel reciclável envolto num invólucro plástico que parecia feito de petróleo puro, um boné "eco" cujo cheiro de solvente podia desmaiar um fiscal da vigilância sanitária, e um pen drive em forma de folha que carregava vídeos institucionais com peso de relatório de CPI.

Fui direto pra programação. Era tanta sigla que parecia aula de mecânica dos fluidos: ESG, ODS, GHG, CPR... Sem falar nos nomes das mesas redondas, que mais pareciam nomes de startup de aplicativo que ninguém nunca conseguiu baixar: “Plataformas Resilientes de Engajamento Sustentável para Territórios Inteligentes”.

Me sentei na palestra “O Papel da Engenharia na Transição Verde” e fiquei pensando: transição de onde pra onde? Da tinta acrílica pro Instagram? Do concreto pro Canva?

E enquanto ouvia o palestrante falar em “construções regenerativas”, olhei ao redor: ar-condicionado no talo, todas as luzes acesas às 10h da manhã, e uma mesa de coffee-break abarrotada de mini coxinhas e copinhos descartáveis. Tentei jogar a embalagem numa lixeira de coleta seletiva, mas só havia uma única lixeira no salão - que, com sorte, reciclava a má vontade de quem limpava o espaço.

Me peguei refletindo: Cadê a tal sustentabilidade que tanto pregam?

No MAPOJA (Marabá, Porteirinha, Janaúba), tudo é muito bonito. Mas na prática, a fiscalização ambiental é mais discreta que fiscal de folga.

Enquanto isso, tem engenheiro assinando obra que destrói nascente, assoreia rio e joga entulho no igarapé como quem lava as mãos - e a consciência.

Mas é só chegar época de eleição que tudo se pinta de verde. “Vamos Juntos por uma Engenharia Mais Verde!”

Verde como? Como PowerPoint de campanha? Como nota de repúdio? Como camisa de candidato que só aparece em época de eleição?

E assim seguimos nós: pintando de verde o concreto armado, selando a consciência com verniz de responsabilidade social, e assinando ART até de jardim vertical que morreu na primeira estiagem.

Porque no final das contas, nesse cenário de “faça o que eu digo, mas não me fiscalize no que eu faço”, a única coisa verdadeiramente sustentável é o discurso.

Porque esse, meus amigos...nunca se recicla.

Lembrei do que aprendi com meu velho pai, ferroviário aposentado e o maior raizeiro de Janaúba: “Justiça começa em casa, e casa de ferreiro, o espeto é de pau.”

E se me perguntarem o que é greenwashing, eu respondo sem pestanejar: É o ato de lavar a alma com sabão ecológico enquanto o cano de esgoto segue jogando discurso bonito direto no rio da hipocrisia.

* Oelton Medeiros é residente em Marabá (PA), pedagogo, escritor, poeta, técnico em edificações, eletrotécnico, acadêmico em Engenharia Civil e agente fiscal do CREA/PA

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